As empresas familiares desempenham um importante papel na formação do Produto Interno Bruto (PIB) e no desenvolvimento econômico do país. Porém a relação família e negócios é desafiadora, uma vez que os fatores socioemocionais podem vir a comprometer a longevidade do negócio e a “passagem do bastão” às próximas gerações. O motivo eminente é que são poucas as empesas familiares que se preocupam com a implantação do planejamento sucessório e a adoção de práticas da governança corporativa.

A princípio, a ideia do planejamento sucessório gera uma série de incertezas e angústias. No entanto, com a implantação do planejamento, aumentam as chances de a empresa familiar dar continuidade aos seus negócios, em virtude de não se tratar apenas de uma troca de membros, mas sim, de um processo entre gerações e transmissão de um legado, princípios familiares e patrimônios intangíveis. Vale ressaltar que cada família está inserida em um cenário distinto, possui objetivos e valores particulares, por isso os instrumentos do planejamento sucessório a serem implantados devem ser estudados e estruturados para que atendam o propósito de cada família. O Protocolo Familiar e Acordo de Acionistas são ferramentas que auxiliam no processo de planejamento sucessório.

O Protocolo Familiar é um instrumento assinado pelos membros da família o qual contém normas e diretrizes a serem seguidos pela família empresária, respeitando todo legado histórico e tradicional da família e, em paralelo a isso, os negócios. A sua importância se dá a partir dos desafios que aparecem perante a passagem dos negócios para as próximas gerações e, para que a sucessão seja construída de forma satisfatória, esses desafios precisam ser vencidos, a fim de criar uma base sólida ao negócio.

Na composição das três dimensões: família, propriedade e gestão, cada esfera é gerida por seu documento base. O Protocolo Familiar atua na esfera da família entre gerações e os negócios, além de promover o incentivo do comprometimento com os valores éticos e morais da família.

Em uma empresa familiar é comum a mistura de fatores socioemocionais com os negócios, a qual gera um ambiente instável e prejudica as decisões na empresa, e uma escolha que deveria ser vista puramente como uma decisão de negócios, acaba se tornando uma disputa entre irmãos ou conflito entre sócios e membros familiares que não trabalham na empresa. Diante desse cenário, o órgão que cuida e se dedica ao desenvolvimento das políticas e práticas familiares é o Conselho de Família. De modo geral, ele busca mediar os conflitos familiares e auxiliar na resolução de problemas, proporcionando, também, um elo de comunicação entre a família e o conselho de administração ou consultivo, e até mesmo o conselho de sócios.

Além disso, cabe também ao Conselho de Família construir e manter a compreensão dos valores familiares, da unidade familiar e do sucesso empresarial de seus membros, bem como desenvolver estratégias de longo prazo e também proteger os interesses das famílias.  

Muitas famílias tendem a não se preocupar com a formação de um Conselho de Família por falta de conhecimento ou encarando-o como gasto, mas, na verdade, criá-lo e colocá-lo em prática é um investimento de tempo e preservação do patrimônio. O Conselho de Família serve, também, como um espaço para os membros da família poderem compartilhar seus objetivos, preocupações e ideias pessoais.

Portanto, um Conselho de Família eficiente e eficaz é capaz de trabalhar e alcançar metas e resultados de longo prazo muito mais consistentes com o objetivo estratégico organizacional. Por isso, muitos especialistas o enxergam como uma estrutura que garante a perenidade das empresas familiares.

Vejamos, a partir de agora, os principais pontos-chave sobre o instrumento do Acordo de Acionistas para o planejamento sucessório.

Previsto no artigo 118 da lei n.º 6.404 de 15 de dezembro de 1976, o Acordo de Acionistas é um importante instrumento para contribuir com a Governança Corporativa da companhia, assim como para minimizar, ou até mesmo evitar, conflitos entre acionistas, já que nos termos do artigo citado as disposições sobre compra e venda de ações, preferências para adquiri-las, exercício do direito a voto ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando o Acordo de Acionistas estiver arquivado na sua sede.

É sabido que essas disposições são sensíveis e quase sempre são o centro do nascimento de conflitos, ainda mais quando não são reguladas de maneira transparente e alinhadas com os interesses de todos os acionistas.

Na prática, o Acordo de Acionistas tem por finalidade regular os direitos e obrigações dos acionistas no tocante aos temas que forem tratados no acordo, devendo as partes subscritoras respeitarem e fazerem respeitar o acordo.

Apesar do Acordo de Acionistas não ser um instrumento obrigatório para as companhias, é recomendável a sua elaboração e constituição para regular a relação entre os acionistas, já que nem todas as disposições que dizem respeito aos direitos dos acionistas estão previstas no estatuto social da companhia. E não seria possível prever, pois o estatuto tem como função principal tratar dos itens relevantes para a companhia e não dos detalhes da relação entre os acionistas.

Todas as matérias de interesse dos acionistas podem ser tratadas no Acordo de Acionistas devendo, contudo, respeitar a legislação e o estatuto social. Apesar da Lei das Sociedades por Ações ser taxativa sobre os assuntos que o Acordo de Acionistas pode tratar, não há impedimento do acordo tratar de outros assuntos de interesses dos acionistas, como distribuição de dividendos, por exemplo.

Isso é possível principalmente porque alguns doutrinadores definem o Acordo de Acionistas como um negócio jurídico que independe do estatuto social da companhia, com autonomia, mas ao mesmo tempo acessório dele.

Por ser um negócio jurídico, não há atualmente qualquer dúvida da possibilidade da utilização deste instrumento na sociedade empresária constituída como sociedade limitada. Neste caso, a denominação mais adequada para o Acordo de Acionistas é Acordo de Sócios ou Acordo de Quotistas.   

Apesar do Acordo de Acionistas estar previsto apenas na Lei das Sociedades por Ações ele pode ser usado, também, entre sócios de sociedades limitadas e o seu campo de tratamento pode ir além do que é previsto na lei das Sociedades por Ações.

Para isso, basta aos sócios em sociedade limitada firmarem o acordo que disporá sobre os direitos que serão regulados, não violar a legislação e o contrato social e arquivar uma via do acordo na sede da sociedade e, se quiserem que produza efeito contra terceiros, arquivar uma via na Junta Comercial.

Seja acionista em sociedade por ações ou sócio em sociedade limitada, é fato que o Acordo de Acionistas é um importante instrumento à disposição do acionista (ou sócios) e tem como principal função regular os direitos dos acionistas, almejando o melhor da convivência entre eles.

Devemos destacar a importância do Acordo de Acionistas para as empresas familiares. Quando se depara com uma empresa constituída por acionistas com vínculo familiar, a probabilidade de existir um conflito é muito maior do que entre acionistas sem vínculo familiar.

Isso porque nem sempre a família empresária prepara as pessoas a partir da segunda geração para serem sócias de outras pessoas em um negócio no qual não tiveram ingerência em sua construção.  Olhar para um acionista com vínculo familiar é uma experiência diferente de olhar para um acionista sem. Apesar de ambos serem acionistas, a emoção muitas vezes supera e prevalece sobre a razão, e isso pode fazer eclodir conflitos societários que muitas vezes não ocorreriam se o ingrediente ‘emoção’ (familiar) não tivesse prevalecido.

Principalmente nos casos de Acordo de Acionistas em família empresária, o acordo deve ser elaborado por várias mãos e todos os acionistas devem participar ativamente da sua construção, permitindo, assim, que os acionistas exercitam a capacidade de se comportar como acionistas perante um parente e aprendam a respeitar e dialogar com pessoas que ele não escolheu para o negócio, fortalecendo sua relação como acionistas, assim como os vínculos com o negócio.

Não existe um modelo padrão, não existe fórmula mágica, nem copia e cola para a elaboração do Acordo de Acionistas. Ele deve ser construído em conjunto por todos os acionistas, com engajamento, diálogo e convergência dos objetivos de vida e interesses de cada um.

Por fim, com instrumentos devidamente estabelecidos, decididos e aplicados, o empreendimento familiar fortalece a gestão e governança corporativa. Tanto o Protocolo Familiar quanto o Acordo de Acionistas são de extrema importância para promover a longevidade do negócio, proteger o patrimônio e todo o legado familiar, valores, diretrizes e princípios, construindo e sendo mantido entre gerações.

Autores:

Silvana Romagnole

Membro da 2ª. Geração da Família Romagnole. Presidente do Conselho de Família Romagnole. Conselheira no CAD da Romagnole S.A desde 2006 a 2021. Membro do conselho de acionistas Romagnole AS. Certificada pela Universidade Abat Oliba – Espanha em Consultoria para Empresas Familiares. Consultora para Famílias Empresárias em Governança Familiar e Conselhos de Família. Conselheira Certificada e palestrante pelo IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Voluntária em programas de ajuda humanitária – Haiti, África, Peru, Nepal, Brasil.

Alex Sandro Gomes Altimari

Sócio em Gomes Altimari Advogados. Atuante na área do Direito Tributário, Societário, Contratos e Contencioso Estratégico. Participação em diversas operações e reorganizações empresariais nacionais e internacionais. Integrante da equipe de docente do professor e coordenador Humberto Bonavides Borges na disciplina “Direito Privado Utilizado na Tributação das Empresas” do curso de Pós-Graduação e MBA entre os anos de 2010/2014. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo UNIVEM e certificado em curso de extensão em Direito Societário pelo CEU – LAW School e em curso de Fusão e Aquisição pelo INSPER.

João Alberto Teixeira

Conselheiro Consultivo Certificado pela CelintBRA. Sócio Fundador da Hold Gestão Patrimonial, consultoria especializada em planejamento sucessório para empresas familiares. Consultor de planejamento sucessório do Escritório Gomes Altimari Advogados. Palestrante em Sucessão Familiar e Governança Corporativa. Professor de Governança Corporativa no MBA da Faculdade Reges de Dracena. Ex-Professor da FADAP em Direito Empresarial. Ex-Consultor na IOB Thomson e Ex-Consultor na Grant Thornton Auditores Independentes. MBA em Direito Empresarial, pela FGV. Formado em Direito pela FADAP. Associado e Membro do Comitê Temático de Educação e Conteúdo; da Associação Brasileira de Conselheiros Consultivos – ABC³. Associado e Membro da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Conselheiro Consultivo do Grupo WT (empresa familiar) na região Nordeste. Conselheiro Fiscal do Sescon Tupã.